NO COMEÇO DE TUDO, TUDO ERA NADA
Lá bem, mas bem bem no começo de tudo, tudo era Nada. Nem sequer era o gelo, o zero e o negro absolutos, era nada nada mesmo e só, afinal, como haver o frio onde não há calor, como haver sóis e sóis sem o oceanos de vácuo onde imperam o breu e o silêncio totais?
Então, em dado momento, deu-se o principio de tudo e esse tudo já se afigurou desde o começo ao se dar numa simples porém suficiente faísca porque é da faísca que se cria o fogo que se alimenta de si mesmo sem cessar, a luz, a onda que, desde que se inicia, nunca para de avançar, se difundindo no nada afora enquanto vai criando tudo que houve, há e haverá, escuro e claro, noite e dia, vazio e sólido, distância e tempo.
Mas acontece que com o fogo veio também seu oposto, o rescaldo, o resfrio. Aos poucos, os metais, a partir da forma gasosa, incandescentes, se solidificaram, primeiro, pastosamente, em mares de lava que depois, formando o próprio chão, vieram a tornar-se rios de plasma que, por sua vez, enrijeceram, transformando-se em continentes de pedra pura, parada, compacta e dura. Muito depois veio o líquido frio e eternamente corrente: a água.
Que combinação mais linda então aconteceu, o líquido em oposição ao sólido, uma guerra maravilhosa, destrutivo-produtiva formando, a seu modo, para o bem ou para o mau, meios termos: terra, areia, lama.
Enfim, assim, pouco a pouco, formou-se a base desolada que um dia fomos nós, bilhões de anos atrás. Podemos ver perfeitamente como éramos nessas priscas eras simplesmente focando uma lente potente no rés do solo de nosso par celestial, a vizinha Lua, coitadinha, todinha inerte, estátua cinzenta, calada e nua.
Aqui, em nosso planeta, outro milagre, outra faísca, mínima, ocorreu, porém, ela também, mais do que bastante, já que, sabemos, a natureza do foco de luz é se alastrar, aquecer, iluminar, desbravar, desvendar.
Daí a luz foi e veio vindo. Primeiro, a vida se assentou nas profundezas. Esperta, achou o bom lugar, mais protegido, os meandros onde os oceanos se acalmam, perfeito! Depois, com coragem e determinação, surgiu e subiu, solo acima, exposto: o peso, a seca, o ar, o sol, o chão, enfim, vencidos.
Toda essa segunda explosão de luz, uma vez começada, tal como a primeira, está sendo eterna, um fogaréu só. Desde então, nunca mais teve fim. Não se sabe se veio de fora deste mas o fato é que anseia pular para outros mundos. É potente, a vida, destemida, impetuosa e ambiciosa como o fogo.
A vida em nosso planeta, por céus e terras alastrada, aos poucos, criou e, depois, refinou a composição da bolha atmosférica que hoje abriga e favorece a prosperidade da vida.
A vida parece um só grande corpo inteligente, um João de Barro que criou-se como João de Barro enquanto foi aprendendo a construir a própria casa.
Então houve a terceira fagulha, a fogueira, a comida, as panelas de barro cozidas, as tábuas da lei de Deus, a palavra, a escrita em placas de terracota, o homem, a mulher, e o filho deles: a cultura.
A cultura humana, por sua vez, como a luz, como a vida, se espalhou, do mesmo modo, como um rastilho, pelas praias, floresta adentro, pelos rios, além dos mares, em pastos de altitude, planaltos áridos, campos de gelo, entre vales e montanhas, avançando, se adaptando, de corpo e de alma, milênio após milênio, em aldeias, tribos, grandes impérios armados e desarmados, vilas, cidades, estados nacionais.
Sobre o chão infértil se estendeu o manto da vida, sobre o manto da vida ergue-se a cultura, segunda natureza, também muito forte, incontinente, dominadora. Ela quer, ela tenta, ela vai, aos poucos, recobrir toda a terra, centímetro por centímetro. Mas tudo começou numa fagulha.
Agora, do alto, os astronautas vemos a bela bola azul, verde e gris cobrir-se de novas cores, nem sempre encantadoras, mas novas, o tempo, uma vez criado, nunca parou, não para e jamais parará, pois jamais existirão super-homens capazes de fazer voltar atrás a roda da história, o retrato do que aconteceu há milhões de anos atrás em Andrômeda está chegando agora nesse bracinho da Via Láctea onde vivemos, e esses acontecimentos passados de Andrômeda nos atravessam nesse momento e no mesmo ato estão seguindo, adiante, e ainda cruzarão outros milhões de galáxias antes de avançarem em direção ao espaço aberto onde nada inda (não) há.
Cientistas são um saco, seres tristemente concretos, secos, sem respiros amplos de sonho e de esperança.
Certos atuais historiadores andam dizendo por aí que a raça humana vai acabar, que está no caminho certo do auto-aniquilamento. Até parece mesmo mas também, quem sabe, pode ser, sei lá...
Vamos supor, por exemplo, que não, que daqui a cinco mil anos a idade média dos humanos será duzentos e cinquenta anos e que essas durações de vida darão à raça do Homo Sapiens Sapiens, de fato e em toda a sua extensão, a tão sonhada sapiência e que, embora ela lhe falte hoje, um dia, quem sabe, lhe permitirá viver em paz, harmonia e prosperidade entre iguais e para todo o sempre.
Mas daí vêm os astrônomos e os astrofísicos e dão por certo, por seu lado, que, igual à espécie humana, um dia o universo material em si vai esfriar até o ponto de voltar ao nada de onde veio.
Nunca em toda a minha vida escutei invenção da imaginação mais medonha: a grande morte do universo.
Está certo que eles defendem que isso ainda vai demorar pra caramba, talvez pra nos consolar, mas um dia, dizem, é inevitável, o combustível estelar vai acabar e, com ele, todo brilho, todo calor, todo aconchego. Possuem grandes certezas, esses tipos de olhos vidrados, mesmo vendo a coisa desse tamanho descabido onde tudo pode caber de insólito e insondável.
Afirmam de pés juntos que, primeiro, vão sumir as grandes estrelas azuladas, centenas, milhares de vezes maiores do que o sol.
Porque logo elas, assim tão imensas, talvez se perguntem?
Fácil explicar. Acontece também aqui no chão, em muito menor escala. É só ver a diferença. Examine, antes de mais nada, o chamado "fogo de palha": súbito, avassalador, alvoroçado, super quente, mas que dura apenas alguns segundos e depois não sobra nada além de fiapos esvoaçantes. Em seguida, detenha-se sobre o "fogo de lenha": avermelhado, contido, que brilha e se expande com mais reservas, queimando entranhas sólidas, fogo lento que teima, mesmo extinto, em subsistir ao modo de brasa, antes de "morrer" no carvão, material que guarda, porém, especial poder de reincendiar-se.
As grandes azuis seriam fogos de palha, podem durar a balela de alguns milhões de anos apenas, as menos sortudas.
Já as amarelas, como o sol, chegam à meia idade, até uma dezena de bilhões de anos, e morrem ao surgirem os primeiros cabelos grisalhos, quem dirá.
A nossa grande chance está, contudo, nas denominadas Anãs Vermelhas, fogo de carvão, vão durar trilhões de anos e serão as últimas a apagar. Assim asseguram.
Se eu disser que não acredito neles, se disser que acho que, desde que surgiu, o universo se expande ao infinito enquanto cria o infinito, esses criaturas bizarras vão dizer que eu estou viajando, porque estão muito imbuídas do senso estrito da objetividade.
Mas eu sou humano, logo, sou doido, me recuso a me fiar no que dizem, mesmo sendo eles os infalíveis doutores especializados, donos da palavra final, afinal, desde que se fez a flama e o escuro, o calor e o frio, o som e o silêncio, o vazio e as distâncias, a luz que cria o tempo se expandindo ao infinito não tem mais como parar, tudo o que está sendo hoje aqui o será amanhã além e depois além, numa eterna viagem.
Eles são muito espertos e bem embasados e talvez eu esteja sumamente equivocado, mas ninguém há de negar que há algo de belo e consolador em minha patética fantasia, há ou não há?
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