A ESPERANÇA DO BEIJA-FLOR


Tive notícias de um povo extraterrestre de uma região do cosmos não muito distante daqui. 

Digo região assim por dizer porque, na verdade, trata-se de uma nação de navegadores que não vive em planetas, em órbita de estrelas, coisas normais assim. Esse povo nômade por excelência, como na era de ouro dos argonautas do pacífico, não pára nunca, se aventurando, de ilha em ilha, por mares terríveis, inimaginavelmente profundos e sempre desconhecidos.

Por uma erro fatal, em certo ponto da história, nós humanos desenvolvemos diferenças artificiais entre o pessoal, o social, o tecnológico e o espiritual mas, para esses ambulantes dos espaços infinitos, as especializações nunca fizeram sentido. 

Talvez por conta mesmo de tal caráter fluído e homogêneo, eles evoluíram tanto que os indivíduos quase prescindem de corpos unitários que necessitem de linguagens mediadoras de comunicação. Aquilo que vivencia, cogita ou imagina cada um, por impulsos lampejantes, numa fração de segundos, passa de pronto para cada outro membro do grupo. Formam assim um exército coeso e, a princípio, pacífico, de dar inveja às comunidades de abelhas ou golfinhos. 

Esse gigantesco corpo comunal, constituído ao longo de milhares de milênios, terminou por prescindir também de aparelhos mecânicos e outros meios materiais que garantissem nutrição, moradia ou transporte. O grande organismo auto-suficiente, como as plantas, captura e processa ininterruptamente a energia que existe dispersa por todo o universo, mais que bastante para que possa sobreviver, reproduzir-se, raciocinar, compreender o momento e determinar, em uníssono, o rumo a tomar, na eterna viagem. 

Antes de marcar presença nesse ou noutro reduto da Via Láctea, a fabulosa raça alienígena aponta aleatoriamente seu mecanismo de visão à distância que funciona de forma orgânica como um poderosíssimo telescópio da alma. 

Numa dessas investigações espontâneas bateu num certo planetinha azulado situado na ponta de um dos tentáculos da galáxia. 

Primeiro deu uma olhada geral na pequena jóia ornada de vastos oceanos líquidos e continentes rochosos multicolores. Em seguida aproximou o foco da superfície e vasculhou os terrenos em busca de criaturas complexas, especialmente as semoventes. 

Por uma bela coincidência, o primeiro ser vivo que encontrou foi um minúsculo planador verde-metálico que rebrilhava na contra luz da estrela solar. Pôde escutar também (sim, pois esse “telescópio” também “escutava”) os dois estabilizadores laterais que zumbiam ao bater freneticamente, movidos por um eficientíssimo motorzinho carnal. Assim o bicho podia planar, apesar da atmosfera pesada, e ao mesmo tempo injetar uma agulhinha em entidades vegetais com a intenção clara de sugar nutrientes.


Essa solução primária e elegante da natureza para driblar a lei universal da gravidade encheu de graça os sentidos dos navegantes que investigavam nossa casa desde assombrosas distâncias. Primitivo, mas muito interessante. 

Decidiram vir até nós para observarem in locu

Fico imaginando a situação desses “conquistadores” quando chegaram ao lugarejo então dominado pelo antropóide infame e arrogante que chamava a si mesma de “homem sábio”. 

Se chegaram tão longe como espécie, é de se supor que, durante a evolução, tiveram que superar a ameaça de auto-aniquilação que os terráqueos enfrentavam. 

Não tiveram, a princípio, ao aqui chegar, o menor interesse em dominar, explorar ou exterminar o vírus que infestava um astro menor, insignificante. 

Mas havia um sério risco de extinção de todas as demais formas vivas do planeta por conta dos tais estúpidos sapiens. Considerando que esses altos seres são muito cientes e bondadosos, a tragédia iminente os fez refletir pela eternidade de um segundo. 

O que poderíamos fazer? Pensaram. 

Já sabemos que não são como os cristãos que chegaram às Américas. São muito muito mais elevados, muito muito mais compassivos, muito muito mais sensatos, toda uma raça de antropólogos hiper experientes e supra sensíveis. O dilema que enfrentaram não seria diferente do que assaltou e ainda assalta o espírito dos melhores antropólogos daqui de dentro mesmo ao encontrarem as últimas tribos isoladas que vivem em estado selvagem. 

Uma pequena inovação técnica vinda do espaço mudaria tudo, assim como aconteceu nas sociedades indígenas da idade da pedra após a introdução de um simples machado de aço. 

Interfeririam de qualquer forma, de algum modo razoável que deve existir, em casos como esse? Ou, como Deus mesmo, o criador de todos os enigmas, simplesmente deixariam acontecer o que tinha que acontecer? Afinal, o universo é basicamente cataclisma, desmesura, desperdício. De que valeria, então, mudar o rumo próprio das coisas?

Mas acabaram concordando que valeria a pena salvar o beija-flor, que o fosse a custa de dar um fim à humanidade.


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