O VALOR PEDAGÓGICO DO YOUTUBE
Com certeza, as oportunidades na rede mundial são enormes mas, até onde minha vista alcança, observo que andam sendo aproveitadas de modo ainda muito limitado.
Pensem no potencial que tem uma tal ferramenta de comunicação para efeitos pedagógicos! Imaginem o professor podendo contar, por exemplo, numa aula de civilização e língua estrangeiras, com o imenso arsenal de filmes e documentários exibidos pelo Youtube! Para nós, os ditos ocidentais, a ceia é das mais fartas, vale conferir. Como diria minha vó, tein túdu quantuá: um mundo de imagens sem divisas transnacionais, produzidas por pretensos profissionais ou por supostos amadores, ofertadas a preços módicos no original, com legendas ou dubladas em inglês, francês, italiano e português, só não viaja o patrício ou plebeu filho de Roma que perdeu o trembala da alta cultura de massas.
Dia desses segui uma turista muito britânica por um destino incomum, as estradas lamacentas dos confins da Romênia atual. Para minha surpresa, o lugar é muito mais pobre e tradicional do que eu jamais poderia imaginar. Velhos silos de tábuas de aparência ancestral, agricultores rudes, marcados pelo trabalho braçal pesado e pela exposição aos elementos, cavalos parrudos, lentos, pesadões, de raça bruta antiga, um vai e vem incessante de carroças capengas arrochadas sob montões de feno que vão compondo os estoques de inverno, cenas que poderiam ter se passado na Europa medieval.
Esse tipo de videomaker é capaz de nos revelar detalhes do cotidiano local que escapam à maioria dos experts caçadores de "fatos" que possam se encaixar perfeitamente num brilhante qualquer discurso de edição. Em certo ponto, a simpática mulher faz um take demorado do galpão onde se amontoam implementos, apetrechos e ferramentas do roceiro que estava recebendo o grupo de visitantes estrangeiros em sua fazendinha das montanhas, onde estão os pastos de veraneio do gado leiteiro. A vida ativa, a alma de um homem, tudo está lá pendurado, o caos dos objetos que na mente dele apenas adquire ordem e utilidade. O registro não pode ser mais banal mas, a meu ver, é obra de gênio! Recomendo, só não sei onde está.
Se procurarmos, porém, achamos. Achamos aos montes certos feitos e fatos humanos que mais parecem fábulas.
Um programa da rede NHK World - Japan, em inglês, tem um capítulo em que as câmeras passeiam pela capital da Mongólia e arredores.
Acredito que seja dirigido por gente jovem, passeando em país estrangeiro assim assim, sem maiores pretensões. O roteiro é muito simples: desembarcam e saem pelas ruas interpelando as pessoas.
Um casal de idosos eram pastores tradicionais mas vieram para a cidade já faz muito tempo. Seu meio de sobrevivência agora é nada mais nada menos que uma balança posta na calçada. Há clientes. No momento em que os japoneses se aproximam, uma senhora acaba de pagar após se pesar.
Mais adiante, percorrem um mercado a céu aberto que vende todo tipo de implemento para os ger, as fabulosas tendas desmontáveis que se transportam pelos gélidos planaltos mongóis, em lombo de camelos peludos, acompanhando o gado que vaga em busca de pastagens. Oferecem mantas, sofás, até placas de energia solar. Chamam atenção da equipe de filmagem certas camas com uma das bordas arredondada. Estão muito curiosos, estão curiosos com tudo, chegam e tascam a pergunta, olá, qual o motivo do formato da cama? Camas para usar em gers que são redondos, uai!
Poderiam ter se perguntado porque esses andarilhos experimentados sobrecarregariam a tropa de animais com o peso extra de um sofá ou de uma cama, mas não, não são capazes.
Foi preciso andar pela periferia de Ulambataar, entrar numa rua qualquer de chão de terra, encontrar um portão aberto e pedir para entrar para encontrar a resposta à pergunta que não se colocaram. A família jovem mora numa tenda e está na capital em busca de melhores oportunidades de trabalho que lhe permitam, no futuro, adquirir um apartamento de tijolos, cimento, alumínio e vidro. Essa fixação dos ger permite a utilização dos móveis pesados. Para eles tanto faz, mas para mim é uma hipótese instigante.
Pouco adiante trombam com uma mulher e um rapaz trazendo um galão de água num carrinho de mão. O fornecimento do líquido vital no assentamento de nômades ainda é precário. Em breve não restará sequer vestígio dessa forma de vida, em breve esse bairro estará, como os demais, impermeabilizado, urbanizado, enquadrado, encaixotado. A dona convida gentilmente os estranhos intrusos para que entrem em sua casa, espaçosa, bem cuidada, com divisórias de madeira compensada e também de alvenaria. Nos fundos, o marido e o cunhado dela estão trabalhando no pequeno negócio familiar. Produzem sapatos, botinas, caneleiras de couro com adornos magníficos, aparentemente muito bem acabadas, algum ofício ancestral que esse povo boiadeiro lindo e acolhedor deve estar adaptando para novos propósitos comerciais.
As jovens estão em grupo bebendo num bar. Ok, é só chegar e sair conversando, são colegas de trabalho, todas dentistas, todas têm namorados, exceto uma. Ahhh! Então essa está procurando? Que tipo de homem você gosta? Ora, um que tenha boa aparência! Adorei, me pareceu uma bela sutil lambada em quem a expôs assim sem mais às câmeras internacionais e diante das amigas.
Achei, no começo do programa, a abordagem dos japinhas da NHK World meio boba adolescente. Ao final do espetáculo, contudo, saí encantado. Que outro modo eu teria de conhecer tais pequenas realidades mundanas nesse mundo estranho que está se transformando radicalmente em terras tão distantes?
Nenhum documentário dos grandes estúdios aborda as pessoas desse jeito pela rua de forma tão inofensivamente tola, todos se aferram a padrões similares de apreensão da "realidade" por meio de pesadas estruturas de captação de imagens em grandes esquemas de seríssima competência profissional.
Qual deles, porém, é mais dono da verdade?
Quem quiser ver uns caras da Etiópia construindo uma casa de bambu como se fosse um enorme balaio plantado no chão boca abaixo, entre aqui:
Em outra região do mesmo país, mais baixa, mais quente, mais tribal, a construção é coletiva e leva uma inteira jornada, na verdade, trata-se de uma espécie de festa do trabalho, caótica, vigorosa, empolgante! Vejam:
Não entendi se a coisa se dá nas Filipinas, na Indonésia, Vietnã, Laos, mas, pelo tipo racial dos atores, deve ser por aí. Equipes nativas filmam, com excelente qualidade de captura e edição, do começo ao fim, a duríssima atividade de uns caras que, munidos de um simples facão, cavam casas inteiras no barranco e/ou no chão, com piscina e tudo, que enchem trazendo de longe, em tubos de bambu, a água de riachos ou cachoeiras dos arredores. Então eles vão no tube e postam tudo, para o deleite dos fãs desse tipo de coisa. Nada mais que uma bobagem bem feita simplesmente magnífica!
Enfim, igual a esse, há outros, inúmeros exemplos de construção artesanal da casa.
As categorias são infinitas e quando entramos em certo campo, ele vai se alargando e se aprofundando automaticamente, um vídeo após o outro.
O maluco do link abaixo está empenhado em derreter metal e despejar o resultado liquefeito num molde de argila que ele mesmo fez. É muito bom nesse negócio de fazer placas e tijolos de barro em esquadrias de madeira. Na medida em que o vídeo evolui, descobrimos que a viagem dele é só testar a coisa com seus recursos rústicos. Testa construir, com os tijolos e placas que ele mesmo modela e queima, dois fornos especialmente para a façanha que se propôs alcançar para filmar e postar. Encontrou no mercado uns foles de plástico que toca com os pés e as mãos até se estafar, buscando aumentar a temperatura da forja até o ponto do derretimento, ou seja, não tem preconceito com instrumentos prontos. Por fim, vitória!, no limite das forças, do seu jeito gambiarra e arriscado, tira o cadinho de dentro da fornalha, derrama o líquido ardente no molde, mais ou menos, só pra mostrar que conseguiu. Então, pronto, deita de lado, morto de cansaço e aí fica, derramado também no chão, enquanto a noite vai caindo na floresta. Em resumo, uma inutilidade muito interessante: brincadeira da idade do ferro, só isso.
Em resumo, para todo mundo que deseja aprender a fazer uma obra qualquer, há toda uma comunidade de professores competentes trabalhando incessantemente quase de graça para nós no Youtube.
Se encontramos muitos vídeos de ensinamento caseiro, achamos outros que são profissionais em tudo, embora feitos em estúdio de fundo de quintal. Esse cuidado quase profissional com a luz, a posição da câmera, a distância do microfone, a edição de imagens, a postura, a apresentação, o didatismo de muita gente que usa recursos técnicos básicos, é algo fascinante no Youtube, parece muito promissor.
Mas o tesouro não se resume a conhecimentos práticos e científicos, claro.
Um dos meus esportes favoritos, nos últimos tempos, por exemplo, tem sido procurar filmes antigos, em preto e branco, de origens e linguagens desconhecidas. Se estou vendo uma película aparentemente polaca da década de mil novecentos e cinquenta, dublada em turcomeno ou algo semelhante, pouco me importa, vejo as imagens, escuto a música muito estranha do dialeto desconhecido em absoluto e me deleito como posso, enquanto coloco a imaginação para funcionar, preenchendo de sonhos as lacunas da "realidade" em oferta.
Um experimento maravilhoso, recomendo a todos, até como medida de saúde mental.
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