CONVERSAS SEM DIÁLOGO
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Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. João Guimarães Rosa
Dá o que pensar a variedade de grafites, rabiscos, pinturas, cartazes que a metrópole produz sem parar, uma frenética e, todavia, quase invisível agitação simbólica, de milhares de artistas anônimos que agem de forma fantasmagórica, pois é muito raro que nós, seres comuns, de rotinas diuturnas, consigamos flagra-los em plena atividade.




Numa sociedade em que tudo é impulsionado pelo poder do dinheiro, havendo espaço oficial e pago pra tudo, ocorre desse tipo de arte de rua em geral ser livre de sinal de patrocínio financeiro e insuspeito de esconder propaganda subliminar. Quem pode explicar uma coisa dessas? Parece um milagre!
Claro, existe aquele dono de banca que luta para sobreviver enquanto oferece "jornal pra cachorro".
Ora, esse lumpen-empreendedor parece afortunado o bastante para financiar, vez por outra, a troca da capa artística que vai nas costas de sua banquinha, voltada para a rua.
Na certa, intenta seduzir para os encantos de seu micro negócio os motoristas que param no semáforo ao lado. Sim porque, quando se trata de ganhar dindin, vai por terra todo e qualquer preconceito acaso existente em relação à arte gráfica de rua, genericamente tratada como pichação. No mais o que não falta é grafiteiro morto de fome, capaz de encampar o serviço por qualquer ninharia, senão mesmo de grátis, pelo simples deleite de dispor de um espaço legal onde exercer seu talento marginalizado.
Por muito tempo vigorou no local o desenho futurista da próxima foto:
Na próxima imagem reconhecemos os traços do mesmo pintor, mas a intervenção é muito menor: um simples impresso em papel, medindo uns poucos centímetros, pregado de passagem, de forma assimétrica e aleatória.
Há um endereço eletrônico que justifica o investimento, mínimo em termos de promoção pessoal, mas não creio, pelo tamanho e local exposto, que seja capaz de atrair os olhos de ninguém que não esteja fortemente empenhado, como nós, na procura.
Pode se dar do produto ganhar mobilidade, uma grande vantagem. É o caso desse desenho de uma Pantera Cor-de-Rosa safadinha exposta aos quatro ventos no baú do caminhão que transporta mantimentos para a feira.
Pergunta sem resposta: as marcas rabiscadas no alto, uma à direita, outra à esquerda, fazem parte da obra ou vieram, conversa sem diálogo, depois? E quem terá sido o escritor da frase que jaz atrás da Kombi ao lado estacionada: - ódio + amor? O próprio proprietário do veículo, quem sabe? Ou o pregador de amor meio que teria usurpado espaço caro ao dono do carro?
Às vezes, encontro rótulos que nos permitem entrever a face comercial das colagens.
Supondo que uma instituição de cimento e aço possa criar de per si alguma coisa, acontece da autoria ser atribuída, como vemos no registro abaixo, à oficina artefeitora: "Gráfica Fidalga - Lambe-Lambe".

Uma vez exposta às ruas, o espaço livre em torno da "assinatura", digamos, da obra é rapidamente preenchido pelos rabiscos em canetinha laranja. Interessante como eles respeitaram a marca registrada, em preto. O cuidado foi tal que uma frase ilegível se infiltra, sem tocar as bordas, na faixa estreitíssima entre o Lambe-Lambe e a rodela do signo central que figura uma palma de dedos dobrados com o indicador em riste que brota da manga de uma camisa branca com abotoadura. Ela sai de outra, mais larga, supõe-se, de um terno negro, possivelmente o lado fidalgo desse mercado camelô. Acima do escrito Jesus Cristo há uma coroa. O signo assim composto está ladeado por dois ideogramas chineses idênticos, embora não se saiba se o são e, se o são, o seu suposto real significado. À direita, abaixo da roda do yin-yang, em destaque, grande, um RESPEITO e à esquerda, também maiúsculo, um DISCIPLINA, inteiro, mas encimado por outro, em frangalhos: dis-cip-linas. O conjunto "disciplina-cristo-rei-respeito-yin-yang" está fechado por aspas, o que nos faz pensar que se trata de uma frase, mas não de uma frase qualquer, de uma frase pronunciada por outro alguém, uma citação, está claro, ou parece claro. Uma pilha de numerais romanos: XV, XXX, III, está próxima do que parece ser um XXX tão somente, além de um VCF 1º (ver constituição federal, artigo primeiro?) que completa a "sentença" superior. Nas beiradas aparece uma cruz ornada com as letras Z/O/S/P e também temos seis estrelas de David encerradas em círculos, três de cada lado da mão fidalga com dedo em riste. Além disso, por baixo, na vertical, força, fé, honra, lealdade, compaixão, cortesia, + amor por favor, além de outros aparentes ideogramas. Por fim, a mandala de tridentes exú mojuba e um grandiloquente FAVELA ORIGINAL.
Faltou completar um pedacinho da ponta direita inferior, vazio de significação. Aposto que o poeta aloprado teve que sair de fininho ou, quem sabe, até correndo, das forças da ordem e assim temos um bilhete cifrado amputado, ao final. É pena! Gosto de pensar que a gráfica Fidalga tem uns caras legais que reservam aquele espaço privilegiado em branco em torno ao selo de Sua Fidalguia justamente porque conta com essa espécie de extra-grafismo lambe-lambe incessante, o que acham?
Pode ser, quem sabe, o modo inteligente que a empresa arranja de fazer seu anúncio publicitário, chamando a atenção de eventuais pessoas físicas ou jurídicas passantes através da exposição aberta, geral e gratuita de suas qualidades artísticas. Oferece de mão beijada um rol de imagens grandes, chamativas, de qualidade, e espera que o olhar esperto atente para o marketing em detalhe.
O que financia, entretanto, a maioria dos cartazes que fotografo, realmente, nem sei se quero saber, meu lucro meu vem, justamente, de brincar com o mistério contido na coisa.
Pode se dar que a iconografia tenha motivação religiosa clara, como é o caso da simpática face do Buda retratada abaixo em preto e branco. Está novinha em folha. No caso, porém, a ênfase está na palavra edificante, sem menção ao nome do iluminado: "FECHE OS OLHOS - ABRA A MENTE".
Sinceramente, não entendo porque não se pode manter, ao mesmo tempo, a mente e os olhos abertos, mas tudo bem, vamos lá, deve haver alguma explicação.
Em curto espaço de tempo, a mensagem foi vítima, primeiro, de um cala-boca, além da tentativa de extermínio total que pode ser vista no detalhe do ângulo superior direito, onde o papel aparece ligeiramente destacado. Porque diabos não terminaram o serviço?, me pergunto. Outra vez um flagrante pôs em fuga o assassino simbólico? ... Súbita consciência pesada?... Um contra golpe da luz celestial? ...
Em seguida um panfletinho de propaganda vem ocupar o espaço da chaga aberta entre o FECHE e o ABRA. Foi uma atitude oportunista, eu acho. Quem colou ali o anúncio pode estar tentando pegar uma rebarba da aura que emana de Sidarta Gautama, não duvidem.
O resto continua lá: /HE OS OLHOS/RA A MENTE.
Há um número infinito desses empreendimentos livres e libertários pelas ruas do centro de São Paulo e seus arredores. Um dos que mais gosto trata da série "A Bitoca de Pelé", um verdadeiro hino ao amor.
É sério!! Sem sarcasmo!
No primeiro que registrei, há mais de um ano, o rei, o 10 do Santos Futebol Clube, camisa branca de gola, segura carinhosamente a nuca de John Lennon envolto em seu belo hobby sargent peppers e lhe dá um beijoca quase na boca, entre a bochecha e o ruivo bigode. Visual de época. O belo encarte, a bem da verdade, atropela outra figura de base. Nota-se na fina tira preta e branca que sobra do meio abaixo do lado direito. Mas logo vem o troco. Outro abusado não tarda em pregar logo acima da figura charmosa um anúncio sem graça de refeições para estudantes. Ali em volta há muitas faculdades, o alvo é fácil. O cabra só respeita a carícia dos famosos porque pretende se beneficiar de sua presença sensual atrativa, aposto!
Há uma versão maior do mesmo abraço, mais definida, em que se pode ver até as veias da mãozona do John, que refere explicitamente a origem do paper: LSD - Lucy in The Sky with Diamonds. Alguém já rabiscou com caneta dois sutis amendoins que pendem por um fio dos meandros do número dez das costas do Pelé. Vá entender...
Não se sabe também se o rosto feminino de orelha quadrangular que foi pintado acima do cartaz dialoga com ele, afinal, o olho direito da moça parece piscar para nós, insinuando algo sobre o beijo, quem sabe. Pode ser também que veio primeiro e é a parte que restou de uma figura maior que a colagem encobriu, para todo o sempre.
No primeiro quadro não aparece mas, nesse segundo, o tipo de letra da frase de fundo denuncia que a obra é também produto da Fidalga Lambe Lambe. Mas porque a gráfica colaria ao deusdará os cartazes pequenos onde não encontramos sua "assinatura"? Adiante, descobriremos.
Quando é questão de dar um sarro em Bob Marley a colagem fica maior, quer também abraçar a coluna que lhe serve de base. Para mim ela é também mais carnal, mais quente que as outras. Existe um escrito fight de fundo que conclama à luta histórica do povo negro. É bonita! Reparem no anel no dedo do gênio maluco beleza, enfiado pela metade. Será simples ilusão de ótica? Estranho, não?! Só sei de uma coisa: o carinho dos carinhas parece tão gostoso! Que loucura! Quem diria que Pelé pudesse ser assim tão afável, não é verdade?

Agora, estranho mesmo é quando o rapagão, na flor da idade, investe sobre a máscara impassível de uma gueixa. Os sentimentos, no caso, tornam-se mais instáveis, concordam comigo? Explico-me, sigam-me com atenção.
Antes de mais nada, suplico que percebam a maravilha do detalhe da manga: um degradé de folhas secas dos plátanos que enchem de cor as florestas no outono do Japão.

Sob a máscara, no rosto, não deixa de aparecer, a contragosto, um quê de mágoa, tristeza, insatisfação, sei lá. Um pequeno rasgo no olho esquerdo, talvez fruto do azar, dá-nos a impressão enganosa de que a coitada está com os olhos rasos d`água, a ponto de chorar. Espero que tais sub-feições nada tenham a ver com preconceito, nada a ver com a cor negra do grande atleta, um sujeito reconhecido mundialmente, até quando está de costas. Seja o que for, só pode ser coisa dela, da bela. Afinal, trata-se apenas de uma bitoquinha na face, um gesto sublime, carinhoso, não é mesmo? Ou será que a jovem está apenas niponicamente atordoada com o simples tocar da pele do Pelé? É proximidade demais para sua gélida escultura humana? Quiçá tema que o outro lhe borre as fauces de preto, embora o risco real é de que ocorra exatamente o contrário? Um intruso não está satisfeito com a reatividade radioativa daquela maquilada alma e, numa tentativa de ilumina-la, traça sobre a cal da testa um terceiro olho muito esquisito, coisa de doido também, acho que não vai funcionar e, na minha opinião, pode até piorar as coisas.

O enigma contido na cena é deveras atraente, duvido que passe despercebido ao transeunte minimamente sensível a tal gênero de beleza ambígua.
Claro, a obra pode entrar também no foco dos invejosos, dos despeitados, dos desrespeitosos, dos petulantes, os que não sentem, somente se ressentem. Se algo ou alguém (no caso da arte, alguém expresso em algo) arrisca despertar os sentimentos desses incorrigíveis sofredores do estado letárgico em que se encontram, pode contar que será alvo da violência mais ou menos explícita, mais ou menos dissimulada. Não demoraria até que um deles viesse interferir no misterioso drama teatral. Por pouco não prega bem por cima do nariz da atriz principal seu folheto idiota de propaganda, embora não se importe de macular em definitivo a sombrinha rouge ferrugem salpicada de flores de cerejeira, símbolos do renascer da natureza após o longo e árduo inverno setentrional.
https://www.japaoemfoco.com/hanami-festival-contemplar-as-flores-de-cerejeira/
Tempos depois um outro intrujão acredita que pode traduzir graficamente o olhar da gueixa e esboça em gestos rápidos, atrás do coco do ídolo da bola, um símbolo que me cheira a descontentamento e ódio. A tinta verde-azulada escorre, a mão do acaso bem que tenta socorrer, mas o mal humor não se apaga.

Por fim, a barafunda é tamanha que o fato estético quase sucumbe às diversas camadas de lixo simbólico: sujeira, feiura, queima de arquivo. Vejam com os próprios olhos:

Chegando mais perto, identificamos uma invasão que merece nossa especial consideração.

Esse sujeito tem um problema específico que se situa entre a sexualidade e a religião.
A princípio eu achava que a questão era com os evangélicos, mas aqui vemos que é com o próprio Messias em pessoa. Mas que bastardo, não?
O exame grafológico revela, nas duas amostras expostas acima, a marca característica do mesmo meliante doente. Notem: escreve em maiúsculas e não corta ao meio o triângulo do A.
Ó ele, de novo!, manchando esse rostinho lindo destacado de uma colagem estilo mangá:

Não acredito, contudo, que é ele mesmo quem volta dias depois para fazer essa outra cagada:
De jeito nenhum, agora o abusador usa pincel e não caneta piloto e o gesto é mais despojado. Esse sim depois retorna à cena do crime. Seu alvo agora é o olho que permanecia luzindo, a descoberto.

A cena era tão límpida e radiante quando estava fresquinha, intocada!

Um convite a tragar com calma a alma do odor que exala da xícara fumegante!

A vida começa depois do café: a jovem perfeitinha, indolente e pensativa está a um passo de acordar para a vida.

É muito sutilmente que os anarconarcisistas, conquistadores sem escrúpulos, vão avançando sobre o território sagrado da arte.

Tem um tal de Naka que não perde ocasião: a mensagem está porcelana quase? O desenho é expressivo demais, tão vivo que chega a cheirar? Ora ora, Nakanakanaka não perdoa: ataca, ataca, ataca.

Chega a sobrepor-se a si mesmo, uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes, a caca ataca.

Ao fim e ao cabo, para não perder de vez o espaço privilegiado para os self-mercadores do caos, opta-se por lambelamber de novo com pincéis empapados em cola a maravilhosa figura como um todo e pregar por riba uma nova e mais complexa peça de sabor artesanal oriental, de idênticas dimensões. Como sempre, fica primorosa:

Atenção para a efígie da mão do fidalgo no canto inferior direito, cobrindo um E do QUE da frase TUDO QUE PRECISAMOS É AMOR.

Fiquei particularmente encantado, da primeira vez que vi a novidade estampada, com o detalhe exposto na foto abaixo. A menina e sua mãe caminham de mãos dadas e, no momento mágico congelado pelo artista, como no clic de uma foto, a pequena é atraída por algo e se vira para a esquerda, onde podemos ver, através de seus olhos, esse admirável conjunto de peixes volantes.

Uma série de coincidências me levou, não me lembro bem por conta de que, a mostrar essas imagens para um grande amigo meu, a quem dediquei o texto Crônica do Conto "O Cofre Decorativo de Luc Pereira", que pode ser lido em meu antigo blog, acessível em aba superior.
Ele viajava, então, pelo Japão, e foi quem revelou para mim o significado da prática de hastear o koinobori.
O extrato abaixo é parte do informe sobre a tradição que pode ser encontrado no seguinte link:
http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/diversos/koinobori/
O correspondente aos meninos do Hinamatsuri acontece no dia 5 de maio. Durante os anos de ocupação pós-guerra, o nome do festival foi mudado de Tango no Sekku (Dia dos Meninos) para Kodomo-no-Hi (Dia das Crianças), mas continuou sendo celebrado da mesma forma e somente para os meninos. Em todo o país, famílias com filhos homens hasteiam, neste dia, sobre um mastro de bambu, o Koinobori, que é uma carpa colorida de tecido ou papel. Quando o Koinobori é visto tremular junto ao céu azul tem-se a impressão de estar vendo uma carpa nadando contra a correnteza. O Koinobori representa o Dia dos Meninos, e a carpa é um símbolo de força, persistência, bravura e sucesso. Esse peixe consegue nadar e subir correntezas e cataratas sem a ajuda de ninguém, e numa fábula chinesa, a valente carpa se transforma num dragão no final da escalada. Os atributos que a carpa simboliza parecem virtudes militares (persistência, coragem, sucesso), e de fato, ela está em algumas lendas que falam de guerras ocorridas num período remoto, tanto é que nos santuários do deus da guerra, Hachiman, são distribuídos amuletos em forma de carpa.
Diante dessas informações, reflito sobre a escolha de situar uma menina, e não um menino, na ilustração. Terá sido por descuido, desinformação? Ou terá sido mesmo de propósito? Novos tempos, novas significações? Já faz alguns meses que o cartaz do koinobori feminino foi sobreposto pela Gráfica Fidalga ao anterior, da japonesinha a ponto de ser trazida à vida pelo gole de café do Brasil. O fenômeno interessante, no caso, que deveras não consigo explicar, é que durante todo esse tempo ele ficou praticamente intocado. Por algum motivo insondável, ele parece atrair menos a atenção dos violadores da arte pública.

Há pouco foi que um deles resolveu rascunhar a seguinte frase, bombástica, nas costas da menina: PM MORTO.
Porque, afinal, alguém antevê, anuncia, incensa ou, quem sabe, deseja a morte de um Policial Militar, um ser humano como outro qualquer, e escolhe expressar sua ira insensata justamente sobre a linda estampa de um jardim da infância?
A epidemia da atração mórbida que se espalha por todo o país impulsionada, sobretudo, pela ação irresponsável dos grandes meios empresariais de manipulação, ainda há de nos engolfar a todos numa espiral de violência incontrolável!
E lá se vai o retrato da inocência:

Foi assim. Pelos correios, ele enviou a muitos companheiros e colaboradores, incluindo eu, grande honra, que jamais hei de olvidar, um cartaz em que sua mesmíssima pessoa aparecia fotografada, em tamanho natural, de frente, totalmente nua, após ter raspado todos os pelos do corpo, até os das sobrancelhas, como a sinalizar que assim estava renascendo do jeitinho cru como veio ao mundo. Em seguida, solicitou que cada um de nós invitados ao lance furasse, rasgasse, arranhasse, traçasse, rabiscasse, pintasse, desenhasse sobre a figura adâmica o que nos desse na telha ou no coração. Por fim, num esforço extra, era preciso remeter a obra de volta para o Ceará. Passei uma madrugada febril escrevinhando, sobre o exposto infante, uma rede de notas desconexas em caneta esferográfica, tentando, quem sabe, com isso, simbolizar nossa muito específica relação intelectual, tanto mais frutífera quanto mais despojada.
Não me lembro de uma só linha do que escrevi em cima do folhão de papel, naquela noite, mas acredito que o evento se deu como uma dessas conversas sem diálogo de que trato na postagem de hoje. Não creio, se bem me conheço, que eu tenha entendido, na ocasião, a raiz da proposta de nudez cabal de Wellington Júnior. Não acho que tenha me concentrado o bastante no significado da mensagem original de modo a proporcionar a Juninho uma resposta verdadeira, verdadeiramente focada no outro. Na época, quem sabe minhas faculdades de reciprocidade ainda não estivessem suficientemente desenvolvidas.
Claro, em toda relação interpessoal ocorre, em grande medida, de um lado a outro, a projeção de egos que estão irremediavelmente encerrados em si mesmos, não é questão de buscar ideais impossíveis em matéria de comunicação humana. Trata-se apenas da necessidade, para fins de mínimo entendimento mútuo, de um forte empenho, por parte de cada receptor, no sentido de entender a mensagem do outro a partir dela mesma e não das próprias determinações.
Infelizmente, até hoje conheci muito poucas pessoas capazes de ouvir de maneira assim tão generosa, mas foi delas, sem a menor sombra de dúvida, que recebi os mais profundos, inestimáveis, indeléveis aprendizados.
Dei uma busca na net sobre o funcionamento da Gráfica Fidalga e achei algumas informações interessantes:
https://pme.estadao.com.br/noticias/geral,saiba-quem-e-a-grafica-por-tras-da-moda-do-lambe-lambe-mais-amor-por-favor-em-sp,5619p
http://caiobraz.com.br/o-que-voce-esta-esperando-para-conhecer-o-trabalho-da-grafica-fidalga/
Vale a pena dar uma olhada nos links. Eles contam uma história surpreendente sobre os altos e baixos da empresa, em diversos períodos históricos da nação, e o modo como sobreviveu a todo tipo de adversidade para continuar produzindo e vendendo seus impressos. Descubro que há muita gente que os compra para decoração de ambientes ou simplesmente pelo prazer de infundir na selva de pedra algum frescor de alma:

Que bela visita guiada pelos grafites do centro paulistano! Seu olhar preciso e sua mente inquieta convertem o caos urbano num museu a céu aberto!
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