VIKINGOS E ARTISTAS PLÁSTICOS DE RUA




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Hoje, antes de mais nada, quero justificar o título desta postagem: Vikingos e Artistas Plásticos de Rua.

Não vou entrar na polêmica que divide grafiteiros e pichadores porque, nas pesquisas fotográficas de campo que realizo na região do centro de São Paulo, já registrei vários grafites de expressão tão rasa que poderiam ser chamados de pichações e certas supostas pichações, das mais simples, que guardam uma luz, uma abertura de significados que só seria, a princípio, virtude da arte maiúscula do Grafite.





Na verdade, existe toda uma fauna de cartazes, decalques, colagens e rabiscos, de diversa materialidade, mais ou menos artesanais ou industrializados mais ou menos comerciais. Contudo, o mais interessante é o modo como são "atropelados" por outros impressos, pinturas, pichações, como veremos em meus registros, de um tal jeito que fica muito difícil definir fronteiras nesse vasto território.


Para evitar polêmicas vazias, não distinguo pichadores de grafiteiros a princípio mas saio à cata, entre tantos, daqueles que chamo artistas plásticos de rua, qualquer que seja o meio que utilizem, dos mais requintados aos mais banais. 

Digo artistas quando sinto que se expressam com alguma profundidade, digo de rua quando, como é o caso, atuam a descoberto e gratuitamente, nos becos, nos guetos da sombra, mocós característicos da megalópole ultra-desarraigada, nas encruzilhadas, nas alturas insuspeitadas, nos vãos despoblados das grandes avenidas, a céu aberto, faça sol, chuva, frio ou calor, tenham ou não apoio oficial, ajam ou não dentro da lei, sejam ou não remunerados por seu trabalho, possuam ou não seus fãs, seu público.

Agora quanto aos Vikingos e outros povos que habitam esse post, é o seguinte. 

O documentário do link abaixo, que destaco na versão em espanhol por ser, das que achei no Youtube, a de mais fácil acesso ao leitor-ouvinte de língua portuguesa, demonstra como “los Vikingos”, apesar da fama muito bem comprovada de salteadores brutais, possuíam uma arte vigorosa e eram febris decoradores.


Ornavam esteios de telhado, mesas, bancos, espadas, escudos, adagas, barcos, tudo, com relevos magnificamente intrincados. Em pontos do filme é possível ver alguns desses objetos, vale a pena dar uma olhada. (sobretudo entre 31:59 a 33:32)

Costumavam largar os escudos e ir de peito aberto para a batalha segundo o ideal de morrer na glória.

Comerciantes guerreiros, adoradores de deuses tão terríveis quanto si mesmos, os Vikings se tornam, seiscentos anos após a queda de Roma, a praga das praias da cristandade, barbarizando sem dó nem piedade, das ilhas britânicas à Normandia e Mediterrâneo adentro até as barbas de Constantinopla, então a todo poderosa capital do Sacro Império Romano.

O leitor faça o favor de conduzir-se ao curioso depoimento que aparece entre 05:13 e 05:26 segundos: 

"...encontramos com frotas de Vikings navegando por todo o Mediterrâneo até a Sicília e inclusive Constantinopla. Em Santa Sofia, a grande catedral que é hoje uma mesquita em Istambul, justo acima da galeria da grande cúpula, há marcas que foram gravadas com uma faca no mármore da balaustrada: 'Goddrick esteve aqui'...".

Está provado, não é de hoje que uns estrangeiros, cristãos ou pagãos, conforme o lado, chacinam, estupram, torturam, degolam, se divertem em reduzir a cinzas aldeias camponesas ou mesmo cidades inteiras, com seus templos, ícones e livros sagrados inclusos, porém, se o edifício a saquear for robusto demais, difícil de pôr abaixo ou até de incendiar, e se estamos só de passagem em vista do mar, nosso legítimo "lar", vale ao menos uma pichaçãozinha entalhada na pedra na base do navalha, senão não tem graça, n'é verdade? 

Degolar os pilares da igreja, sensacional!

Embora São Paulo se situe a cem quilômetros da costa, consta que esses mesmos guerreiros desalmados deixaram marcas também por aqui.




Outros documentários sobre arqueologia nos mostram como a massa despoderada e despudorada faz, há milênios, coisas semelhantes nos monumentos, muralhas, estelas, obeliscos, estátuas e palácios do Egito antigo, ecos longínquos de um sonho que segue atual, o sonho dos anônimos, dos pequenos, dos invisíveis, dos insignificantes, dos sem escrita, sem palavra, sem voz, de cravar seu nome nos anais da história, entrando pelas frinchas no seleto país dos gênios, príncipes e sacerdotes imortais.

Quando um faraó era assassinado e seus inimigos e sucessores queriam priva-lo não só da vida na Terra, mas na eternidade, na transcendência, na memória coletiva, aplainavam um a um, em milhares de paredes do reino, os escritos ou desenhos em relevo louvando o nome ou os feitos do defunto. 

Mais que morrer, o cabra devia ser extinto. Cabeças de estátuas suas eram esmagadas por milícias que, também, "desentalhavam", digamos, as faces indesejáveis expostas por todo o baixo e alto Nilo.

Havia até quem fosse capaz de desafiar a fúria dos deuses e arrancar o sexo e os olhos das múmias. Não queriam que se orientassem bem rumo ao paraíso VIP a que a nobreza estaria destinada? Ou visavam atingir toda a linhagem do soberano deposto, recuar o esquecimento do presente do homem para o passado de seus ancestrais? Af Maria! quanta maldade!

Na sequência seguinte de fotos, em que capturo a evolução do aspecto da colagem da moça de maiô azul, velha conhecida, vemos que o fenômeno segue acontecendo, talvez por razões menos conscientes, deliberadas, mas que, vá saber, se ligam às mesmas motivações, conforme associações mais profundas. 

O estupro da imagem.

Vemos abaixo minha querida amiga em fevereiro, um tanto maltratada pela estação das chuvas, o que é natural e até desejado pelo artista do grafite, obra pública e efêmera por excelência. A figura, contudo, já foi violada por ação desumana, o que é outra coisa, mais difícil de aguentar. De fato, nesse começo de ano, algum capeta passou por aqui e vomitou na boca da moça uma baba escura um tanto duvidosa. Quando a conheci, já estava assim maculada.

Os rasgos de um cartaz de propaganda arrancado, que aparece pouco acima da touquinha, tão charmosa!, quase lembram uma coroa.


Em abril a luz é mais intensa e a parede está mais ressecada. Pois foi por essa época que outro imbecil pregou bem no peito da princesinha um cartaz de divulgação de certa imobiliária. E também podemos observar que as almas do inferno da antiguidade retornaram para consumar a desfaçatez: a boca foi recortada, ou seja, a jovem mulher agora teve amputado, de uma vez por todas, o sagrado direito à palavra e, se não bastasse, seus olhos, perfurados, não podem mais guia-la rumo ao spa do post mortem.


Os materiais modernos são muito mais perecíveis e nossos bárbaros não são, propriamente, estrangeiros, eles estão no meio de nós. Em agosto, vemos que a concorrência retirou o cartaz. Ou terá sido algum arqueólogo tocado pela relíquia decadente? Por outro lado, a vagina aparece perfurada, ou seja, serviço completo, agora a bela não vê, não opina e também não sente prazer. Pode ser obra de malvados religiosos modernos parecidos como os de vequíssimos tempos, experts da castração! Não suportam a atração das bem torneadas pernas e vigam-se em si mesmos. Ao negar, sem mais refletir, o do outro, acabam ceifando o desejo próprio, ó Céus, ó Baco, quanta estupidez!



Com seu admirável conhecimento da cultura clássica greco-latina, Mary Beard descreve a prática dos chefões da família e do império romano de negar às mulheres a voz, a prerrogativa de expor ideias e reivindicar direitos em assembléia pública. 

Em certo ponto da palestra que pode ser vista, também em espanhol, no link abaixo, ela analisa a simbologia associada à conhecida figura da medusa para em seguida mostrar um slide que encerra pequena coleção de imagens atuais recolhidas na internet. 


São montagens, que talvez se pretendam cômicas, mas que revelam a prepotência muito antiga do patriarcado, o poder físico, espiritual e legal que possuíam os varões romanos de negar a palavra ao gênero feminino. Mulheres de poder, exemplos recentes, entre os quais o da chefe da nação alijada do poder de que falo na última postagem, aparecem nas montagens: olhos apavorados, mechas de serpentes em desalinho, a cabeça decapitada é alçada vitoriosamente pela mão do grande guerreiro macho! Está feito, essa garganta não mais discursa, não mais declama, não mais encanta.

Ah o medo que os proclamados grandes homens têm das mulheres, medo de seu chamado cotidiano à vida pequena, à vida real, ao berço do afeto! Ah o medo que o ódio mal mal dissimula!

Alguns documentários são conduzidos magistralmente em campo pela professora, tão rigorosa quanto carismática. Ela vai, assim assim, nos levando pela mão como crianças que se divertem com altos conhecimentos, por todo o vasto mundo romano, atrás dos menores vestígios dessa que é a essência do mundo ocidental, de nosso mundo, e pinta um quadro muito curioso da vida daqueles cidadãos de então, de como se dava o convívio entre as classes sociais, escravos, escravos libertos, povo geral, soldados, oficiais, aristocratas, gestores e políticos locais, cortesãos, famílias imperiais.

Os romanos da antiguidade adoravam placas com ditos comemorativos, louvores aos grandes feitos dos grandes homens, vivos ou mortos, para outros ou para si mesmos. Mas também podemos encontrar uma ode ao padeiro Fulanus de tal, que exulta as façanhas de um mestre de ofício ainda em vida. Também sobreviveram muitas lápides mortuárias escritas para todo tipo de gente, inclusive muitas crianças, com dizeres os mais comoventes, admiráveis descrições, mais ou menos idealizadas, da aparência e da personalidade do falecido. 

Para tanto usavam todo tipo de suporte pesado e durável: mármore de muitas cores vindos das províncias longínquas, calcários, granito, bronze. Foi assim que muitos escritos sobreviveram, no original ou transcritos em livros e compêndios, ao longo das eras, e Mary Beard, nos documentários, seleciona para nós internautas algumas pérolas desse imenso e precioso arquivo, enquanto navega com desenvoltura e humor inteligente num extenso universo de escavações, ruínas abertas ou fechadas ao grande público, papiros antigos e compilações modernas armazenadas em acervos de museus e universidades de toda a Europa, escarafunchando, traduzindo, conversando com notórios especialistas, num esforço admirável para revelar aos leigos o resultado do labor delicado e dedicado de arqueólogos e pesquisadores de vários campos que trabalham como formiguinhas em silêncio, no anonimato, trazendo aos pouquinhos esse nosso passado à tona. 

Ai se os prodígios de nossa época, se os dons da ciência e da arte, do desvelamento paciente, humilde, e colaborativo, pudessem ser universais um dia, ai minh` utopia clara, do trabalho da luz! 

Quando se depara com alguma joia rara, Mary (já vê-se que estamos íntimos) enche-se de felicidade, primeiro, depois usa seu olhar super perito para mergulhar nos detalhes e, exultante, sai transleitando, para as câmeras, para nós, toda uma maravilhosa literatura da fala cotidiana, testemunhos da vida miúda das gentes de toda sorte e origem que compunha o complexo caudal cultural de Roma.

Num dos capítulos da série, acessível na web também no original inglês, nossa mestra divertida expõe algumas molecagens esculpidas nas paredes pelos frequentadores de um prostíbulo da época. Pichar então não era para qualquer um não! 

Mas a cena mais impressionante é aquela em que demonstra, em ângulos diversos, como os marotos escultores do império sobrepuseram a figura de Cláudio ao busto de Calígula, seu sobrinho e perverso antecessor, assassinado por conta de um complô militar.

Está entre 54:25 e 56:27 segundos do próximo link: https://youtu.be/YL_nflA25HA

Em nossos tempos, as máquinas vão auxiliando ou substituindo os braços, os olhos, a cabeça dos homens e mulheres num número infinito de atividades que assim se tornam mais ou menos automatizadas. Por um lado, é muito bom. Mas, por outro, na medida em que isso acontece, vamos desaprendendo a fazer tudo quanto há milênios depende do sopro da alma, do impulso do corpo e do trabalho das mãos. Só se for muito doido para pegar hoje em dia marretinha e cinzel de bronze e sair por aí talhando, na língua imperial, "Naldson was here" em granitos duríssimos com os quais, aliás, não se constrói nada mais.


Em geral, em nossos dias os escultores de rua usam menos bíceps e gume afiado, violência, e mais tintas múltiplas em filos sopradas pelo toque quase virtual do dedinho indicador. Hoje as ferramentas são sprays herméticos de alumínio e plástico, leves, portáteis, fáceis de manipular. O advento dessa nova arma produziu um artista muitíssimo mais ligeiro do que o escavador anônimo do mundo antigo. Além disso, os desenhos e inscrições a jato devem expressar ideias num relâmpago, como a que vemos na foto abaixo, feita em traço contínuo, uma proeza típica de quem precisa manter um olho na parede branca e outro na ronda policial que passa ao largo.



Em contexto assim manusfluente, o mais simples esboço pode tomar ares de arte acabada.


Se o artista atual preferir, porém, como los Vinkingos, os relevos, pode usar o cimento, mas aí é preciso ter timing, ou seja, senso de momento, pois a matéria, embora razoavelmente modelável, tende rapidamente a endurecer, como todos sabemos. Assim que os operários da prefeitura terminam um conserto da rede elétrica ou sanitária e, ao estilo brasileiro, gambiarra, remendam mal e mal a calçada, juntam pás e picaretas, arremessam tudo como petardos que rebombam no metal da caçamba do caminhão e se vão, é hora, o tempo é curto, a massa logo vai ressecar. 

Com meu novo olhar marybeardiano, começo a recolher também alguns pequenos tesouros. Olhem se não é uma pérola essa que capturei na foto e lanço aqui na net para o público dos futuros arqueólogos:



"Eu amo Taka Maria"... Notem, o recado não é direto: "Te amo Taka Maria". Parece meio platônico. Taka Maria... Patricinha nissei que tacou nostalgia de amor no coração de um qualquer brasileiro pé de chinelo? Paixão de adolescente acovardado pela áurea da menina? Seria Taka Maria uma pessoa de carne e alma? Ou seria Taka (já estamos íntimos) personagem de ficção impressa no chão? ...

Como diria Roberto Carlos: “são mistérios”!

Tirei essa foto hoje cedo, vi o documentário dos Vikingos ontem, passo aqui quase todos os dias a caminho do trabalho. Uma chuva inesperada, muito bem vinda, finalmente purificou, durante a noite, os ares secos e poluídos do inverno, e acredito que, desse modo, dada a alta umidade, a dedicatória de amor se destacou do quadro todo cinza, pelo que chamou minha atenção. Não fosse isso, talvez nem o olho expert a tivesse visto, de relance, em compasso apressado. 

Ou será que a descoberta se deve a que eu já viesse vindo imbuído da imagem do tal Goddrick pichador Viking? Para ver como o conhecimento, qualquer bobagem de conhecimento, nos ilumina com certeza e, de algum modo, reorienta.

São Paulo, talvez a mais bem urbanizada das capitais brasileiras dos tempos atuais, que se orgulha até de ter uma Companhia de Engenharia de Tráfego e coisa e tal, tem pavimentos que refletem entranhas que constituem a própria imagem do caos. Pelo menos, assim tudo fica bem às claras, não é verdade?

Nas laterais da pista do viaduto Maria Paula existem duas das mais largas passarelas da cidade, pavimentadas com um de nossos modelos primários de calçada portuguesa. Não faz muito tempo houve ali uma tentativa de implantar cabos de alguma espécie que, por motivos insondáveis, terminou fracassada. A canaleta de anéis, como uma minhoca, desde então, está assim, semi-enterrada, como a vemos em foto recente.




O plástico começa a se decompor e até o fim do ano vou voltar para fotografar o buraco que terá restado no lugar, pois do verme vai ficar a ferida, quem quer apostar?

Em outros lugares a passagem é mais estreita e muito mais frequentada e então os poderes mais ou menos públicos não podem se dar ao luxo, digamos assim, de deixar a carne exposta por muito tempo. Então, quando é preciso quebrar o calçamento para enfiar, trocar ou reparar canos, dutos e fiações, a lei que parece reger a obra dos diversos agentes teoricamente responsáveis parece ser a lei impositiva, não dialogal, a lei fora da lei, a lei do mais forte, tudo na base da porrada, falta de planejamento, improviso, desmazelo, ansiedade, ignorância estética que gera indiferença ou mesmo desprezo pela estética. 

É muito fácil capturar em imagens a enorme colcha de retalhos de concreto: há emendas, costuras e implantes estúpidos por todo lado.




A guia dos cegos não foi enxergada, ao contrário da Via Ápia, virou ruína precoce.



Aqui vemos como o fornecedor de gás de cozinha encanado, elemento altamente inflamável, demarca os pontos por onde passam as tubulações subterrâneas, mal e mal sinalizando o perigo mortal para as futuras britadeiras e picaretas que, fatalmente, voltarão, na sanha de abrir caminho a força até redes de esgoto ou cabos de comunicação que necessitam ampliações ou reparos permanentes. Eis uma verdadeira bomba relógio. O país é uma bomba relógio.


Para se ter uma ideia, comparemos o desgaste exercido pelas solas de sapato sobre assinaturas pintadas na chapa de aço que agora tampa uma vala onde era o passeio de uma rua movimentada do bairro central da Liberdade. Foi posta assim há semanas na entrada de um grande canteiro de construção ativo. Há entre as fotos o intervalo de quinze dias.






Tá provado, uma cidade é como um animal qualquer, que vive mais ou menos bem ou mal conforme o estado de saúde física e espiritual em que se encontra. E como um organismo vivo e inteligente, jamais está parada, nem quando pensa e nem quando dorme, pois que segue sonhando, e quando nós, humanos, que a criamos a nossa imagem e semelhança, acreditamos que algo está estanque ou inerte na pele, no estômago ou no coração da cidade, com certeza nos enganamos, mesmo que a pele seja reboco e látex, mesmo que o estômago seja terra, areia e cal, mesmo que o coração seja pedra e ferragem.

Em São Paulo, sobretudo no centrão velho e seus arredores, podemos registrar sem muito esforço, desde que munidos de um celular ordinário com câmera fotográfica, como se dá atualmente um certo diálogo de cegos, entre partes que não se encontram, presencialmente, uma com a outra, o que não as impede de tentar transmitir, cada qual, seu sinal, sua mensagem, aos deusdará. 

Emissores e receptores de símbolos, ou seja, pontes, todavia, quase que só centrados apenas em si mesmos, uma coisa mei squisita, eu acho! São anúncios, cartazes, decalques, moldes de pintura, riscos de spray, pincel, piloto preto, canetinha multicor, usados indistintamente para postar no mundo, sem esperança de resposta, os imaginários mais diversos, alguns evidentes, outros mais enigmáticos, talvez porque endereçados de uma tribo a outra do profundo sertão, pequenas sociedades fantasmagóricas que os passantes diuturnos, nós, pobres mortais burgueses ignorantes, mal conhecemos, exceto pelos desenhos rupestres que imprimem ao azar.


Há um sem número de agentes lunáticos que sussurram, balbuciam, grunhem, gemem, gritam, berram sozinhos perante o nada, o Alter Incognitu, sentidos sem eco que, se dialogam, será na forma mais precária que exista, na base da superposição?

Podemos ver abaixo um exemplo eloquente desse psico-debate pictórico entre gente que não se vê, não se fala e não se escuta mutuamente. 

No caso temos a boca de outra mulher que sangra. As lágrimas negras impostas sobre a serena e sonhadora figura de base sinalizam uma ação radical, mas há outras, mais sutis, em que hemos de nos debruçar com o cuidado devido, pouco a pouco, ao longo desta série de postagens.





Poucos dias depois:



Meses depois:




O impensável aconteceu: a gráfica foi lá e repôs a bela figura no mesmo portão mas não tardou para que o olhar dela fosse atacado novamente. Que problema será que os violadores têm com os olhos doces semi-serrados da mulher?

Seja como for o erro foi reparado, ou quase:


Quem será, santo Deus, que está queimando o filme do Messias Salvador?!








O rol de quem quer pegar carona na bela figura só vai aumentando com o passar do tempo

Comentários

  1. A legião de vickings cotidianos, dissidentes que estupram matam rabiscam explodem constrói essa colcha de retalhos que você tão bem descreve. O texto, as imagens, a reflexão. é tudo matéria de reflexão e de deflexão em nossa mente, é um mosaico a invadir nosso universo confortável de poltrona burguesa. Eu o conheço bem e sei que nada escape à sua observação ao andar e viver nessa metrópole maluca que acabamos introduzindo à nossa normalidade medieval

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    1. Obrigado Ramon, sua opinião é um conforto (é assim que um autor sabe que alguém está lendo e não apenas visualizando seu blog) e também um estímulo a continuar. Agradeço sempre e mais uma vez a você, quatorze anos mais velho e leitor experimentado, por ter me insuflado o gosto pela literatura mundial de primeira qualidade: Drummond, Guima, Dostoiewski, Kafka, Proust, Neruda, Cortázar e tantos outros, na lista enorme de livros que, em minha época de estudante, você colocou em mãos, deu de presente, aconselhou para que eu lesse, citou em nossas conversas animadas sobre nossos autores favoritos. Certamente não teria levado adiante esta arte maravilhosa, que nos é tanto cara, sem o impulso essencial que você me deu, na época certa, de mais intenso aprendizado, e não posso deixar de falar, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado, a respeito da pena que sinto quanto pressinto a falta de interesse pela poesia, o romance, o conto, a crônica, o ensaio, da parte das novas gerações.

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  2. Reynaldo, confesso que sou daqueles que pouco observa esses "Artistas Plásticos de Rua", por correria, desatenção, sei lá.... são desculpas esfarradas do homem moderno. Porém, sua análise me fez voltar ao tempo de criança quando gravava o nome nos calçamentos de "lapas" de Minas Novas/Vale do Jequitinhonha. Hoje, em Paris, essa metropole da arte, passo por incontáveis obras a "céu aberto" e ainda pouco observo. Talvez agora observe mais.Sua análise é reveladora do "mais obscuro real". Márlio Fernandes

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  3. Belíssima crônica! Humor, erudição, um olhar atento e meditativo, tudo se mistura nesse passeio pela paisagem construída e transformada pelo homem. Tudo isso em um texto muito bem escrito e de agradável leitura. Parabéns ao moderno arqueólogo das imagens!!!

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